A Revista Época desta semana traz os bastidores da votação do projeto de lei para punir abusos cometidos por autoridades. Após duas horas e 20 minutos, o senador Roberto Requião, do PMDB do Paraná, encerrou a leitura na Comissão de Constituição e Justiça, no início da tarde de terça-feira, dia 18, de seu relatório sobre um projeto de lei destinado a coibir e punir abusos cometidos por autoridades.
Ato quase imediato, seu colega Randolfe Rodrigues, da Rede do Amapá, fez um pedido de vista, um recurso para ganhar tempo com o objetivo de analisar melhor uma matéria. Numa comissão com 12 investigados pela Lava Jato, o plenário reclamou de Randolfe. “Não cabe aqui dizer que estamos tendo pressa de votar.
Este projeto é de 2009. Não vejo por que não votar hoje”, disse a senadora Gleisi Hoffmann, do PT do Paraná, ré pela Lava Jato e investigada em três inquéritos. O líder do PMDB, senador Renan Calheiros, investigado em 12 inquéritos oriundos de casos de corrupção descobertos pela Lava Jato, acompanhou Gleisi. Citou todo o caminho do projeto, as concessões que fez para que a matéria não fosse votada com urgência e atacou o Ministério Público Federal. “Nós precisamos cumprir nossa obrigação, independentemente de interesse de corporação, que cada vez mais é evidente aqui nesta Casa por pressões variadas”, disse. Réu em cinco inquéritos da Lava Jato, o senador Edison Lobão, presidente da comissão, cedeu a Randolfe, sob protesto. “Dizer-se que estamos procedendo com açodamento é uma brutal injustiça.
Está havendo obstrução no encaminhamento desta matéria”, disse. “Vou conceder vista coletiva por cinco dias, marcando a próxima sessão para discussão e votação definitiva do projeto. Não admitiremos mais obstrução e nenhuma outra chicana.” A turma de senadores atingidos pela Lava Jato estava com Requião.
O projeto relatado por ele é daquelas matérias que têm mérito institucional, mas são instrumentalizadas com oportunismo para servir a alguns. Foi ressuscitado por um grupo de senadores acusados de corrupção como forma de intimidar e reduzir os poderes de quem investiga e pune políticos – no momento, os que participam da Operação Lava Jato. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, foi pessoalmente ao Congresso no início do mês apresentar um projeto seu, alterando o texto original, apresentado pelo líder do PMDB, senador Renan Calheiros, e relatado por Requião. Suas sugestões foram deixadas de lado.
O senador Randolfe Rodrigues, que joga com a força-tarefa da Lava Jato, conseguiu adiar o desfecho. LEIS SOB ENCOMENDA- A pressa ficou mais aguda entre uma parte dos senadores, mais precisamente 24 incluídos na lista do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, após a divulgação das delações de 77 executivos da Odebrecht. Eles relatam a existência de um mercado de leis no Congresso. Há acusações escancaradas, com detalhes de negociações espúrias, nas quais deputados e senadores recebiam dinheiro para fazer leis em benefício de negócios da Odebrecht. Coisa simples e abjeta: o parlamentar eleito pelo cidadão aproveita para ganhar dinheiro trabalhando para a Odebrecht, em detrimento do cidadão que o elegeu. O pagamento vinha em doações oficiais ou caixa dois, muitas vezes em dinheiro vivo.
A estrutura de sistemas de informática, contas no exterior, doleiros e transportadores de valores, coordenada pelo Setor de Operações Estruturadas, o departamento de propina da Odebrecht, cuidava de tudo. Por meio de nota, o senador Renan Calheiros disse: "Nunca mercantilizei leis. Ao contrário. Proibi os 'jabutis' e cobrei responsabilidades dos que faziam isso. Jamais me senti devedor de doadores de campanhas eleitorais ou de lobistas que circulam legítima ou ilegitimamente pelo Congresso Nacional. Humildemente repito que não temo ser investigado. Tenho certeza de que jamais serei condenado por qualquer conduta, uma vez que sempre atuei dentro da legalidade".